domingo, 9 de agosto de 2009

Dona Irma

Perto de completar seus 92 anos, vovó adormece fraquinha, fraquinha no quarto do Hospital São Lucas. Insuficiência cardíaca e água no pulmão.

Apesar de tudo, ela está bem. Esquecida, fala pouquinho, mas não deixa de lado suas manias: coberta esticadinha sem ser dupla, só nos pés. Pés sem meias, lençol cobrindo tudinho e mão agarrada a ele. 
Volta e meia abre um olho e pergunta "Que horas são?"
Confunde todos os famliares e esquece quem eles são. Vai fazendo um esforço e, lá pelas tantas, solta um "Ich liebe Dich!" ou "Eu fui muito feliz, que vocês também busquem sempre a felicidade!" 

Eu e Dini chegamos ao hospital e Dadá perguntou "E esses, são filhos de quem?" - Ela toda sem noção, mas sem perder a oportunidade, responde "Da mãe!" e dá uma risadinha.

Entre sono e mais sono é acordada pelas filhas barulhentas que a bombardeiam com perguntas e ordens, fazendo a velhinha colocar o cérebro e o corpo a funcionar.

Ontem mostrou todas suas gracinhas com brincadeiras de mãos, de coordenação, mexeu nariz e fez caretas. Quando percebeu que eu a imitava, comentou faceira "Puxou a mim!".

Vovozinha frágil. Uma pessoínha pequena, encolhida e debilitada com a idade, evidenciando que muito já viveu, muito já ganhou e muito já perdeu e, a qualquer momento, se vai ao tão esperado encontro com seu marido Walter, de quem tem hoje apenas maravilhosas lembranças.

Vovozinha Irma. Uma pessoa tão próxima e tão distante. Pra mim, um mundo estereotipado e transformado por informações e tradições familiares. Há tempos uma pessoa não mais lúcida. O que será que se passou na vida dela? Quem é essa mulher com quem nunca consegui ter uma conversa mais íntima e que, de mais íntimo, existo a partir dela!?!